Os avanços sociais e de cidadania das últimas décadas são inegáveis, mas falar de direitos humanos não perdeu actualidade. Porque se é verdade que, na essência, todos os princípios fundamentais estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a evolução civilizacional obriga a uma maior clarificação dos direitos concretos e, acima de tudo, a uma maior vigilância das práticas.
A violação dos direitos humanos é para mim uma grande revolta. Mas mais revoltada fico quando se trata da violação dos Direitos da Criança. No nosso país e no mundo inteiro continua a haver crimes contra as crianças, abusos sexuais, maus-tratos a todos os níveis, trabalho infantil, e muito outros. Principalmente nos países africanos e orientais. As crianças estão a ser “violadas” nos seus direitos humanos.
Gostaria de destacar um caso que me choca e entristece: a circuncisão feminina ou mutilação genital feminina (MGF) é o nome genérico dado a várias práticas que resultam na remoção de órgãos genitais femininos. Embora várias justificações são dadas para a manutenção da prática, ela parece estar relacionada principalmente ao desejo de subjugar as mulheres e controlar a sua sexualidade. De fato, historicamente os homens são os iniciadores, e isso sob o pretexto de preservar a fidelidade das mulheres.
Estima-se que 130 milhões de raparigas e mulheres em todo o mundo que tenham sido submetidos a MGF e que pelo menos 2 milhões de meninas por ano são susceptíveis de se submeter ao procedimento de uma forma ou de outra. Atualmente, a MGF é praticada em 28 países na África Subsariana e na parte nordeste da África. Relatórios indicam também a prática esporádica de MGF em alguns países do Oriente Médio e em alguns grupos étnicos na Índia e Sri Lanka.
Esta prática não tem nada em comum com a Circuncisão Masculina. A circuncisão feminina consiste na remoção do clítoris das pré-adolescentes, e até mesmo dos lábios vaginais. Há uma outra forma de mutilação genital chamada de infibulação, que consiste na costura dos lábios vaginais ou do clítoris.
A maioria das meninas circuncidadas ficam marcadas para a vida, na carne e no espírito. Elas nunca esquecem o trauma e a dor. Inclusive, muitas meninas morrem com o choque devido a dor insuportável e infecções. Outras ficam com insuficiência renal e inférteis, tendo dores insuportáveis nas relações sexuais futuras. Estas “operações” são feitas pelas mulheres adultas em condições de higiene pouco recomendáveis e com instrumentos muito primitivos, como lâminas de barbear ou xisato, não sendo sequer desinfectados.
As razões para a circuncisão varia de região para região e de um grupo étnico para outro. Muitos acreditam erroneamente que o Islão exige a circuncisão. Pois consideram que as mulheres não circuncidadas são consideradas impuras e incapazes de controlar seus impulsos sexuais. Outros grupos étnicos acreditam que o clítoris pode envenenar o homem ou a criança ao nascer. Outros ainda acreditam que o clítoris é um órgão masculino e por tal deve ser cortado para a menina se tornar uma mulher completa. Os homens recusam-se a casar com mulheres não-circuncidadas.
Já existem algumas mulheres adultas, com mais cultura a rebelarem-se contra a tradição. Nas livrarias podemos ler muitos livros de mulheres que conseguiram fugir às famílias, vivendo noutros países, onde fizeram careira, que denunciam este horror, relatando a sua própria experiência. Mas apesar das denuncias e de todas as medidas tomadas pelas as organizações internacionais como a ONU, OMS e UNICEF, ainda é muito difícil mudar a mentalidade destes grupos étnicos, porque para eles é um ritual necessário para a aceitação e integração da mulher na sua comunidade. Ao longo de suas vidas, as mulheres são condicionados a servir a comunidade e a reprimir os seus desejos e continuará assim durante longos anos, se não se conseguir mudar as mentalidades através da educação.
Mas infelizmente, esta violação dos direitos da criança, também está a ser praticada na Europa pelas comunidades emigrantes, em Paris, Roma, Estocolmo, Amesterdão, Manchester, Londres ou Berlim, também em Portugal, onde a circuncisão feminina apesar de ilegal é praticada no seio de muitas famílias oriundas dessas etnias. E aqui, a prática ainda é mais violenta, porque as meninas por andarem em escolas europeias, já têm mais conhecimento sobre o assunto, mas mesmo assim os pais obrigam-nas a esta tortura. Com medo de sanções, muitas famílias preferem circuncisar as suas meninas durante as férias escolares no seu país de origem.
Quanto à mutilação genital feminina e a sua criminalização em Portugal, a lei penal portuguesa pune esta prática com pena de prisão entre 2 a 10 anos, uma vez que, segundo o artigo 144.º da revisão ao Código Penal de 4 de Setembro de 2007, é considerada ofensa à integridade física agravada.
A comunidade guineense, na sua grande maioria concentrada em Lisboa, é a que mais pratica este crime, mas com uma diferença, essa prática é efectuada muito mais cedo, com dois ou três anos de idade, por considerarem ser mais fácil de curar. Para eles trata-se de cumprir com a religião e a tradição.
Conta-se que Abraão (ou Ibrahim, em árabe) casou com a bela mas estéril Sara. Foi ela própria que lhe sugeriu que tomasse outra mulher, que lhe desse descendentes. Abraão escolheu Agar, a escrava egípcia, que engravidou. Existem várias versões do fim da história, mas a que interessa para o caso conta que Sara, apercebendo-se do interesse crescente de Abraão por Agar, virou a sua ira contra a escrava, mutilando o seu órgão sexual. A este episódio relacionado com o profeta e patriarca das três religiões monoteístas, as fontes acrescentaram ainda que, durante os períodos de guerra, quando os homens saíam para combater, era preciso tornar as mulheres mais frias, para que não procurassem sexo, enfraquecendo-os.
Segundo Ibraima Baldé, membro da Associação Guineense Uallado Folei em Lisboa, considera que esta prática não tem nada a ver com qualquer religião. São usos e costumes. É mais uma forma de os homens se defenderem do adultério pois, sem prazer sexual dificilmente as mulheres praticam adultério. Defende sim a festa do ritual de passagem à idade adulta, que é muito bonita e não deve ser manchada pela mutilação (Site consultado: www.amnistia-internacional.pt).
Segundo a UNICEF, já existem alguns países africanos que têm leis contra a mutilação genital feminina e outras formas de violência contra as mulheres: Benim, Burquina, Costa do Marfim, Djibuti, Egito, Gana, Guiné, Indonésia, Nigéria, Uganda, República da África Central, Senegal, Somália, Tanzânia e Togo. Mas na restante África, a legislação não pune este tipo de crime.
Mas a verdade é que apesar da lei proibir tal prática nos países acima citados, ainda se continua a praticar frequentemente a circuncisão feminina nos dias de hoje. É urgente que este crime em “todos” os países do mundo seja realmente não praticado e caso o seja, que seja punido com severas sanções.
Focando o nosso país é necessário que as novas gerações de imigrantes consciencializem os mais velhos, que tal prática é realmente um crime e que isso não acontecerá com as filhas deles, denunciando os casos que conheçam.
Este é apenas uma das “violações” dos Direitos das Crianças, porque poderia citar inúmeros outros casos, quer no mundo, como no nosso próprio país.
Apelo a todos os governos que protejam as suas crianças, de modo a estas crescerem felizes, porque estas crianças serão os cidadãos de amanhã…! Mas não apelo só aos governos, apelo também a todos nós, pois todos temos obrigação de tratar bem as nossas crianças e de denunciar qualquer “violação” dos seus direitos que tenhamos conhecimento.
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